Por dentro do capacete: Fábio Henrique


A curta passagem da Ligier pela Fórmula Indy

Poucos sabem dessa história, mas a Ligier, a lendária equipe francesa de Fórmula 1, que marcou o fim dos anos 70 e início dos anos 80 com os seus rápidos e belos carros azuis, já arriscou uma investida na Fórmula Indy.
Em 1984, o chefão da equipe francesa, Guy Ligier, estava um tanto quanto decepcionado com os maus resultados que sua equipe vinha tendo na Fórmula 1 nos últimos anos. A última vitória dos carros patrocinados pelos cigarros Gitanes, havia sido há três anos antes, com Jacques Laffite no Grande Prêmio do Canadá de 1981. No ano seguinte a equipe já não era mais a mesma. O ultrapassado e pesado motor Matra V12 que equipava o modelo JS19, já não oferecia o mesmo desempenho que possuía nos anos 70, quando foi um dos responsáveis pelas primeiras vitórias da equipe.

A Ligier LC-02 de Fórmula Indy, dirigida por Kevin Kogan em Long Beach 1984.



Para 1983, a Ligier decidiu então adotar o bom e velho confiável motor Ford Cosworth DFV, porém a equipe acabou sofrendo a perda do seu principal piloto, Jacques Laffite, que foi para a Williams em uma espécie de retribuição à Frank Williams, que foi quem ofereceu para Laffite, a primeira oportunidade de dirigir um Fórmula 1, ainda no começo dos anos 70. Mas apesar de o motor Cosworth ser superior ao antigo Matra V12, definitivamente, aquele ano de 1983 marcava o início do domínio dos motores turbo na categoria. Sem um motor turbo, seria muito difícil conquistar uma vitória. As três únicas etapas do calendário vencidas por carros de motores aspirados, foram os GPs de Long Beach vencido por John Watson com seu Mclaren-Ford, Monaco que foi vencido por Keke Rosberg com Williams-Ford e Detroit, cujo vencedor foi Michele Alboreto com um Tyrrell-Ford. Logo concluímos que apenas em circuitos de rua (onde os motores turbo levam desvantagem devido ao lag na retomada das curvas), que um carro de motor aspirado ainda possuía alguma chance de vitória, e mesmo assim este carro precisaria ter um bom chassi para compensar sua falta de potência. E esse definitivamente não era o caso da Ligier com o seu péssimo JS21 dirigido pelo experiente e rápido francês Jean Pierre Jarier e pelo nosso conhecido Raul Boesel, que tinha disputado a temporada anterior pela March. Pela primeira vez na história da saudosa equipe, uma temporada era fechada sem nenhum piloto marcando pontos. O melhor resultado obtido na temporada foi um oitavo lugar com Jarier em Hockenheim. Infelizmente o antiquado chassi do Ligier JS21, ainda feito em alumínio “honey comb” rebitado, em uma época onde a fibra de carbono já era uma realidade em monocoques, não pôde proporcionar uma chance para Raul Boesel demonstrar seu verdadeiro talento na Fórmula 1.
Assim, no ano seguinte, apesar da equipe ter conseguido firmar parceria com a Renault, para o fornecimento dos seus motores turbo, o velho Guy Ligier viu uma oportunidade interessante em adaptar o fracassado JS21 para o calendário da Fórmula Indy, que vivia anos muito competitivos na década de 80 e oferecia um custo relativamente baixo para que uma equipe nova pudesse disputar o campeonato em condições competitivas, fato que de certo ponto de vista é uma realidade da categoria em detrimento à Fórmula 1 até os dias atuais. Dessa maneira, com a ajuda financeira e logística de Mike Curb, famoso magnata do ramo das gravadoras musicais e na época executivo e promotor da MGM Music, Guy Ligier deu início a adaptação do chassi JS21 ao regulamento da Fórmula Indy. O até então característico e estreito chassi, foi “anabolizado” na sua traseira e nas partes laterais, para comportar o monstruoso motor Ford Cosworth DFX turbo, o motor mais popular na Indy naquela quase metade dos anos 80. Só de olhar, qualquer um notava que o motor parecia grande demais para o delicado chassi de Fórmula 1, já que não foi possível nem instalar uma carenagem para cobrir o motor, devido a grande altura em que ficou instalado no Ligier. A adaptação do intercooler e maiores radiadores típicos de um Indycar, deixaram o JS21 com um aspecto mais robusto, mas ainda assim desajeitado. Para você ter uma idéia melhor da gambiarra que era o carro, cabos de aço foram amarrados do motor até a lateral do chassi (os chamados sidepods), com a intenção de “tencionarem” a vibração do motor que literalmente “chacoalhava” demais o chassi. E assim dessa maneira, nascia o Ligier LC-02. Os pilotos escolhidos para representar a Ligier na Fórmula Indy foram Kevin Cogan e Mike Chandler. Kogan já era um experiente piloto da Indy, com bons resultados conquistados. Já Chandler era um milionário da época, algo como um “Marty Roth” dos anos 80.

Raul Boesel e a Ligier JS21 que mais tarde seria daptada para a Fórmula Indy

A temporada de 1984 teve início com o Grande Prêmio de Long Beach e Cogan foi o escolhido para dirigir o Ligier LC-02 número 98 em sua primeira participação na Fórmula Indy. Com muita dificuldade, Kevin Cogan conseguiu classificar o difícil carro para a corrida. Largou em 21° de 28 carros e acabou abandonando a competição na terceira volta, com semi-eixo quebrado. O carro era tão ruim que Kogan afirmava que nem nas retas tinha estabilidade, além disso, o chassi soltava peças em pleno movimento!
Ainda assim, o LC-02 foi enviado para disputar o Grande Prêmio de Phoenix, aonde Chandler não conseguiu classificar o carro. Diz a lenda que nos treinos livres já era visível que o carro não iria conseguir classificação e que Mike Curb fez com que os dois pilotos revesassem várias vezes o cockpit para ver quem conseguia fazer o melhor tempo, até que Kogan preferiu participar da competição com um Eagle/Pontiac.

Mecânicos da Ligier trabalhando no LC-02, certamente uma das maiores gambiarras da história do automobilismo.

Na última tentativa de ver o carro competir, a equipe foi para Indianápolis com a intenção de treinar para uma possível participação do Ligier nas 500 Milhas, porém essa idéia foi abandonada logo nos primeiros treinos, pois enquanto um carro mediano fazia a volta em torno das 200mph, o LC-02 girava em 184mph. Na época inclusive, circulou um boato de que Andrea De Cesaris, piloto da Ligier na F1 naquele ano, iria guiar nas 500 Milhas, mas isso nunca foi confirmado. Dessa forma o carro foi colocado de lado e acabou virando peça de museu. E assim foi encerrada a mais do que curta passagem da saudosa equipe francesa, na Fórmula Indy. Na época pensaram que o maior refinamento e sofisticação de um chassi de Fórmula 1, seria o suficiente para vencer na Indy, mas tal acontecimento só serviu para provar que no automobilismo nunca devemos subestimar a capacidade técnica dos outros.

Hoje a Ligier de Fórmula Indy está no museu particular de Mike Curb, nos EUA.

5 comentários:

Marcos Antonio disse...

Muio legal essa história! Não é fácil assim entrar na F-Indy. Lotus e Ferrari já tentaram entrar na Indy nos anos 80 mas desistiram. Seri alindo ver uma Ferrari nas 500 milhas, e a Lotus voltando de novo ao lugar onde Jim Clark e Graham Hill barbarizaram nos anos 60.

Anônimo disse...

Essa história eu não conhecia, mais umapç prova de que a F-1 subestima a Indy desde sempre, carros vindos da categoria máxima podem triunfar na Indy obviamente, mas sem esssas gambiarras da Ligier, que acabou por apenas fracassar com tamanha experiência.

Anônimo disse...

Realmente dessa eu não sabia!

Anônimo disse...

Não conhecia essa história e digo que se era pra vir para a América para fazer gambiarra para o carro poder competir era melhor ficar pela Europa.

themask disse...

Eu sempre achei o Ligier JS21 um dos carros mais originais na transição da F1 pos proibicao dos carros asa com sua lateral totalmente sem sidepods,mas o que poucos sabem eh que este modelo tinha suspensao hidraulica um primeiro tipo de suspensao ativa. Mas o critico do carro nao era a velocidade porque a vida de uma equipe sem motor turbo ja era ingrata em 83, mas sim a total falta de confiabilidade. Ate conhecia esta Ligier Indy o por fotos, mas achei otimo o detalhamento da historia por completo.

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