Helinho e a reversão dos valores da imprensa.


É notório e de conhecimento geral dos fãs a negligência da imprensa na cobertura da Fórmula Indy. A começar, claro, pela emissora de tv aberta que detém os direitos de transmissão – estes ficam só no papel. Promoção e divulgação da categoria, o mínimo que se faz para alavancar um evento próprio, nem pensar. E olha que exemplos na concorrência não faltam. O ‘Vídeo Show’ é um case conhecido nessa área: serve única e exclusivamente como divulgação para um novo programa, ator estreante, evento ou qualquer coisa relacionada a Tv Globo. As vezes fica fácil entender porque é a emissora número 1.

Voltando a nossa categoria, já é fato consumado a enorme dificuldade de estabelecimento em um canal aberto que transmita dignamente as corridas. Entretanto, algo que sempre me incomodou e foi minguando a cada ano (em especial no crepúsculo da Cart/Champ Car, mesmo com a IRL chamando um pouco mais de atenção) é a coberta da mídia em geral. Nessa classificação estão, principalmente, os jornais e revistas. A Internet, até pelo seu caráter “geneticamente” democrático, acaba por não entrar nessa classificação. Existem diversos sites especializados que cobrem bem a categoria – claro que o Blog da Indy é o pole position e vencedor dessa corrida (também liderou por mais voltas) – além de sites de relacionamento e grandes portais, que geralmente possuem páginas voltadas a automobilismo com a função de alimentar a principal com notícias relacionadas (caso de Tazio, Teo José/Amigos da Velocidade e Grande Prêmio/Warm Up). Enfim, a internet pode ser considerada um caso a parte. Já a mídia “tradicional” sempre relegou a Indy a um segundo plano, por vezes mal mencionando os vencedores de corridas. Essa problemática cresceu após o “ano negro” de 1999 com a decisão do SBT – já comentei aqui e vale relembrar: a mídia impressa ainda depende da televisão para gerar grande parte de seu conteúdo. Afinal, é muito mais fácil e econômico deixar um repórter assistindo a televisão, suscetível a comentários e posições de quem transmite, do que enviá-lo para uma cobertura in loco. Certamente uma conduta questionável. – e esboçou um leve crescimento com a reunificação das categorias recentemente. Vez ou outra a participação de Danica Patrick chamou um pouco mais de atenção, mas nada que efetivamente levasse a uma melhora na cobertura. Enfim, jornais e revistas pouco mencionam a categoria.

Entretanto um fato me chamou a atenção recentemente: a cobertura sobre os problemas de Hélio Castroneves com a Justiça norte-americana. Quando a história veio a tona, já com as supostas datas e complicações possíveis a Helinho, rapidamente a mídia tradicional se interessou e passou a cobrir ostensivamente o “Caso Hélio Castroneves”. Claro que é um assunto teoricamente interessante, afinal trata-se de um brasileiro. Entendo que uma ou outra notícia relatando o ocorrido fosse o bastante – afinal, não eram muitos os que sabiam da profissão e até de quem era Helinho (sim, você pensou certo: eles não sabem devido a falta de cobertura da imprensa brasileira...). Assim, a enxurrada de notícias iniciais sobre o caso não me impressionou. Mas fiquei atento àquela movimentação até um pouco suspeita. Afinal, o porque de tanto interesse pelo ocorrido? Confesso que até hoje não cheguei a uma conclusão razoável.


Com o desenrolar dos acontecimentos, a história foi ficando mais interessante. E a medida que o julgamento foi sendo realizado, a cobertura tornou-se ainda mais freqüente. Claro (e quem lê com um mínimo de critério os nossos jornais e revistas sabe disso) que rolou um veredicto de “Helinho culpado” bem antes da hora. Coisas da nossa imprensa: um mínimo de indício (mesmo que o próprio indício seja apenas... um indício!) já é suficiente para julgamentos e veredictos de quem conhece o assunto somente de maneira superficial. Não me interessa e nem sei o quão Helinho pôde ter agido ilegalmente no que era contestado, e justamente por isso não cabia a mim – e muito menos a imprensa – dar o veredicto. A decisão da Justiça norte-americana, certa ou errada, não deveria ter sido tratada de maneira pré-concebida, no conceito geral de “lá eles punem mesmo”, como foi a conotação por essas bandas. Não é a toa que e decisão final da Justiça foi considerada uma “surpresa”...


O cerne dessa questão toda acabou ocorrendo após o julgamento. Passado o veredicto, com Helinho tendo que correr dias depois (por si só um acontecimento sui generis, que de fato “é notícia” – usando um jargão puramente jornalístico) permaneceu um certo “acompanhamento” do desempenho de nosso piloto. Achei ok e pertinente a cobertura de Long Beach, afinal ainda havia um frescor da notícia da sexta-feira do dia da prova, com ele fazendo toda a correria para chegar a Califórnia, o fato de Will Power ter sido “rebaixado”, e etc. O bom resultado ao final da prova também ajudar para “alimentar” a notícia. Agora o que me causou estranheza foi o follow-up posterior a isso. De lá pra cá Helinho é sempre referido como “piloto brasileiro, que recentemente foi considerado inocente da acusação de evasão fiscal pela Justiça norte-americana, etc etc...”. Isso ocorreu no Texas (nas notícias dos treinos e do final da prova, também conhecida por aqui como a “corrida que ninguém viu”), na brilhante pole em Indianápolis (os mais desavisados até ficaram sabendo primeiro do julgamento para depois serem informados que Helinho é bicampeão da prova) e, pasmem, até quando ele virou chefe de cozinha por um dia (quando o piloto visitou um cozinheiro famoso nos EUA). Sempre nessas notícias é citado o julgamento (até com um quê de superação, com aquele blá-blá-bla cansativo de “virou o jogo”, renasceu, “calou a boca de todo mundo”, novamente um comportamento negativo da imprensa) como uma maneira de referenciar o piloto. Ele não é mais o Helio Castroneves bicampeão das 500 Milhas de Indianápolis, vice-campeão da categoria, um dos pilotos brasileiros mais vitoriosos e todos os ‘n’ predicados que conhecemos. Ele passou a ser o Helio Castroneves, piloto brasileiro que um dia foi julgado nos EUA por crimes financeiros. Enfim: ele é conhecido em sua profissão por aquilo que ele não faz nela. Existe reversão de valores maior do que esta? Não para nossa imprensa.


Leandro Coelho (Leandro_fsc@yahoo.com.br)

6 comentários:

Natanael disse...

A Globo só noticia IRL quando é algo desagradável ou algum brasileiro seja campeão ou vença a Indy500. Logo que saiu a notícia do processo contra Helinho, houve matéria no Jornal Nacional, sabidamente o principal telejornal do país.

Carlos Henrique disse...

É isso aí mesmo Natanael, foi a primeira vez que vi o Jornal Nacional falando da Indy. Vamos ver se o Brasil vencer a Indy 500 se o Jornal Nacional dará a noticia na segunda-feira.

Leandro Coelho disse...

Natanael e Carlos: a reportagem no Jornal Nacional dimensiona bem a disparidade que citei no texto. Infelizmente ela de fato existe. Um abraço.

Mariana disse...

Concordo com você Natanael sobre a Globo não noticiar sobre a Indy, mas vejamos, ela tem um foco que é a F1, a parttir do momento em que a band detem os direitos de transmissão da modalidade, a maior enfase no assunto deve partir dela, como forma de divulgar sua programação. Para se ter uma idéia, estamos a 03 dia de Indianápolis e a Band, pelo menos na TV aberta não tem feito nenhuma mensão à pova, pelom menos não nos noticiários noturnos, tendo em vista que a maior parte dos telespectadors trabalham durante o dia.
Espero que a band comece a tratar os telespectadores da indy com um pouco mais de respeito.
Mariana

vivi disse...

Muito pertinente a forma como vc retratou!! A sociedade capitalista nunca nos reconhece pelo que fazemos de bom, honesto!!

Natanael disse...

Mariana, concordo que a Globo como detentora dos direitos da F1 tem q valorizar seu produto e acho q ela faz transmitindo tanto as provas como o treino oficial ao vivo, salvo raríssimas exceções. Apenas citei que apenas falam da Indy, quando coisas que denigrem a imagem da categoria acontecem, é o processo do Helinho, a briga do Bourdais na Champ Car, a briga de mecânicos da Luczo Dragon com outra equipe a uns 2 anos atrás num GP Kansas se não me engano. Ou quando nossos pilotos conquistam a Indy500 ou o título da Indy. Não estou aqui dizendo que eles tem que promover uma categoria que eles não detém direitos. Nem quando eles tinham (sim a IRL já pertenceu a Globo, que tinha suas provas passadas no Sportv) eles davam bola. Se é apenas para mostrar apenas a parte ruim que não se mostre nada. É só ver como o Bourdais é tratado nas transmissões da F1, como o piloto tetra-campeão nos EUA mas que F1 é outro universo. Engraçado que na estréia dele ano passado quando não chegou ao pódio por causa do motor estourado da Toro Rosso a 4 voltas do final ficaram bem quietinhos.

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