Alessandro Zanardi atualmente é considerado um exemplo de força de vontade e amor a vida. Sua perseverança após o trágico acidente na Cart no começo dessa década representa uma grande demonstração de amor não só a si próprio como também a sua própria família. Mas hoje eu gostaria de falar de um outro legado do italiano: a sua passagem pelas pistas, hoje algo infelizmente quase esquecido.
Os raios amarelos cortando um fundo vermelho nos carros da Chip Ganassi representaram bem a passagem de Zanardi pelo time, entre 1996 e 1998: uma flecha cruzando a categoria. Do vice-campeonato no primeiro ano ao incontestável bi-campeonato nos seguintes foram três temporadas irrepreensíveis de um piloto até então obscuro, conhecido somente por ocupar verdadeiras ‘cadeiras-elétricas’ na Fórmula 1. Até mesmo a sua nacionalidade impedia maiores considerações. Entretanto, logo em seu ano de estréia um momento foi o suficiente para dizimar qualquer dúvida sobre Zanardi: “a” ultrapassagem sobre Bryan Herta em pleno saca-rolha da pista de Laguna Seca. Naquele momento Alessandro exibiu suas credenciais e o domínio quase que completo dos campeonatos seguintes coroou o italiano com um dos grandes nomes da categoria.
Interessante notar o momento histórico da Cart naqueles anos: além da cisão que originou a IRL, havia um movimento de internacionalização geral (de pistas e de pilotos). A esquadra de pilotos norte-americanos presentes até o início da década de 90 foi se esvaindo e o bi-campeonato de Zanardi representou o fim dessa era. Essa ausência de pilotos norte-americanos vencedores é apontada como um dos motivos para a queda de popularidade das Cart/Champ Car nos EUA entre fins de 90 e começo de 00. Acredito que essa tese é no mínimo discutível. Afinal, a IRL em suas origens era predominantemente ianque e isso não impediu a perda de público para a Nascar, por exemplo. Hoje é praticamente comprovada a impossibilidade de uma disputa de monopostos sem uma cor mundial entre seus pilotos. Aceitar isso de maneira mais clara não seria um avanço para a Indy? Um bom papo para uma próxima coluna.
Voltando a Zanardi, vejo como seu principal legado a questão da superação da nacionalidade. A torcida para um conterrâneo ou uma seleção de seu país é algo quase inato, e para nós brasileiros muito vinculada a qualquer esporte. Ayrton Senna, pela sua relação com a pátria e, principalmente, pelo momento histórico de suas principais conquistas (falecimento de Tancredo Neves, fracasso da Nova República, desilusão com a Seleção Brasileira de Futebol nas Copas de 82, 86 e 90, entre outros fatos) catalisou isso espetacularmente (auxiliado em parte pela disposição da Rede Globo para tanto). A conseqüência natural é a elevação do brasileiro a condição de ídolo nacional. Até ai, obviamente minimizando a exacerbação da escolha de um ídolo, nada contra. O problema é a criação de um contra-senso: se o brasileiro não ganhou, foi a vez do estrangeiro. E quando este vencer, não será enxergada a vitória de outro tão ou mais competente que o nosso conterrâneo, mas sim uma derrota para a nação – pois nos brasileiros precisamos daquela vitória, com uma espécie de realização. E, como conseqüência disso, a vitória do estrangeiro não será apreciada como algo natural no esporte.
No caso especifico de Ayrton, que resume bem a questão da não superação da nacionalidade, é praticamente um fato consumado a não reverência a pilotos de alto nível que foram seus rivais: em especial Alain Prost e Nigel Mansell. O amigo fã de automobilismo que sabe apreciar o esporte acima da nacionalidade certamente há muito viu nestes pilotos um talento acima da média. Agora a “massa”, aquele público com comportamento de manada, caminhou – orientado pela mídia – para a negação da existência (ou co-existência) de pilotos tão bons quanto Ayrton. Parênteses: não vou entrar na eterna discussão de quem foi melhor, piloto X, Y ou W. Na minha opinião é muito difícil comparar pilotos da mesma época, imagine então de época diferentes. Assim este não é um juízo de valor de quem é melhor que quem, e sim uma simples avaliação da capacidade de apreciar um piloto talentoso. Fecha parênteses. Esse público acaba perdendo o interesse quando não há um brasileiro vencendo. E para eles tem que vencer mesmo, sem essa de chegar em segundo ou terceiro. O reflexo disso é claro e cristalino: os anos de jejum de vitórias ou pouca competitividade de pilotos brasileiros nas principais categorias de monopostos eram e são motivo de redução de interesse. É praticamente indissociável a relação entre vitória de um brasileiro e audiência.
O contexto histórico dos títulos de Zanardi na Cart é exatamente esse em termos de Brasil. A ressaca pós-morte de Senna e a saída de cena de um piloto vencedor na Indy como era Emerson Fittipaldi jogou de lado a veiculação do automobilismo como um esporte de massa. Para a mentalidade de quem acompanhava o automobilismo somente pela presença de brasileiro vencendo, foi um balde de água fria. Porém, por um outro lado, Zanardi mostrou que é possível ver um esporte apreciando a essência dele, independente da questão da nacionalidade. Suas vitórias, shows e as comemorações características com os zerinhos (impressão minha ou ninguém consegue fazer essa manobra igual a ele?) ficaram para nós naqueles três anos como uma lição. O esporte, seja ele qual for, deve ser apreciado além de qualquer critério. Sim, ver um piloto brasileiro chegando em primeiro, sendo campeão, dando show, etc é sensacional. Mas isso não vai acontecer sempre. E não pode estar vinculado a paixão pelo esporte. Essa paixão vai além disso, superando a nacionalidade.
Zanardi semeou isso para nós, e entendo que os anos posteriores – tanto de conquistas brasileiras como períodos sem títulos ou vitórias, foram mais bem aceitos pelo público em geral. Talvez um início de visão de esporte mais próxima a esse conceito além-nacionalidade. Que um dia essa semente possa gerar mais fãs da nossa categoria apreciadores de uma boa corrida, acima de tudo!
15 comentários:
Zanardi é o maior piloto italiano que eu já vi correr e foi um dos maiores pilotos que correram na Cart, não deu certo na F-1 por algum capricho da natureza.
Sou fã do Alex.
Granito
Olá Leandro Muito legal lembrar Zanardi, excelente texto. gde abrsssssssssss
Disse tudo, xará. Também espero que a grande massa aprenda a apreciar o esporte de verdade.
Granito, acho que o Zanardi foi rifado no seu retorno a Fórmula 1. O carro da Williams não era bom naquele ano e as cobranças foram exageradas. No final da temporada ele começou a mostrar quem era, mas infelizmente era tarde. Uma pena, pois certamente seria um piloto vencedor lá também.
Um abraço.
Valeu Fernando! É com reverência que faço questão de relembrar a trajetória desse grande piloto. Abração!
Xará, vamos torcer e espalhar essa semente plantada pelo grande Zanardi. Um abraço!
Infelizmente, pilotos como Gil de Ferran e André Ribeiro tiveram a concorrência do italiano Alessandro Zanardi. Zanardi nunca dirigiu tanto como nos anos em que esteve na Chip Ganassi. O bi-campeonato foi muito justo. Zanardi fez provas memoráveis. A ultrapassagem sobre Bryan Herta no saca-rolha em Laguna Seca é digna de quadro. Mas eis que em 2001, em Lausitz sua carreira de piloto de monoposto foi encerrada naquele grave acidente. Na F1 só dirigiu cadeiras elétricas e não teve chance de mostrar serviço. Hoje Zanardi continua fazendo o que mais gosta, disputa o WTCC, o Mundial de Carros de Turismo da FIA, que recentemente teve etapa em Curitiba. Um exemplo de vida e de piloto.
Natanael, boa lembrança a respeito do WTCC. É muito bom ver o Zanardi fazendo o que mais gosta, mesmo com todas as adversidades. Um abraço.
chega me dar arrepio quando lembro o téo josé narrar:NAO PERDE MAIS ALESSANDRO ZANARDI!!!!eu ali torcendo pro GIL DE FERRAN,mas tambem rendido pelas atuaçoes de gala do italiano voador.
isso me lembra também um outro piloto histórico, Clay Regazzoni, que ficou paralítico das pernas, e mesmo assim superou isso, e ficou disputando gps de kart para portadores de deficiência até um dia em que ele faleceu em um acidente de carro de passeio.
Ola alessandro!! vc nao deve conhecer sua familia Zanardi daqui do Brasil eu sou Rafaela e meu namorado se chama Carlo zanardi filho de ovidio Zanardo!!! entre em Contato rafaelamarim@hotmail.com.br Grande abraço
Zanardi, em minha visão, foi o piloto mais expressivo do final dos anos 90.
Seus três anos na CART foram o suficiente para colocá-lo no hall dos imortais.
Um exemplo de piloto e ser humano que deve ser seguido.
Acredito que existam 3 comentários a serem feitos sobre esta brilhante coluna: 1-Sem tirar o mérito de seu comentário sobre o período em que se passou, acho que o Senna foi o melhor piloto da época dele (e na minha opinião o melhor de todos os tempos) justamente por saber valorizar o talento dos superpilotos da época (e não estou falando apenas de Prost e Mansell)... O Schumacher pode ter sido bom, mas não tinha concorrentes a altura! 2-O Zanardi não teve tempo para uma reação, pois a F-1 é muito imediatista. Nem todo mundo tem a sorte de cair numa Chip-Ganassi pronta e poder pilotar com 100% arrojo e talento (como fizeram Zanardi e Montoya). Se o Barrichello hoje fosse para a Indy (ou para a CART, quando ela existia), ele não teria mais do que tem hoje de torcida, mas teria com certeza menos persiguição, pois poderia exercer seu trabalho sem imediatismos e provavelmente seria mais vitorioso que na F-1. 3-O Zanardi não é apenas um exemplo de superação e amor ao esporta a motor, mas também um exemplo que talento não tem fronteiras! Não importa de que ele estará correndo, será sempre o mesmo gênio, porque no automobilismo (não muito diferente de outros esportes) o que vence é o domínio da mente sobre o corpo! E é justamente nisso que o Zanardi sempre foi bom!!!
"SEGUUUUURA O ITALIANO!"
Postar um comentário